sexta-feira, 13 de junho de 2008

Bem aventurados os que andam de trem...

Bem aventurados os que andam de trem...
E assim chegar e partir...
o trem que chega é o mesmo trem da partida...

é assim que Milton Nascimento define o frenesi da estação. Mas a Estação João Felipe, em Fortaleza, nada tem de semelhança com o romantismo da canção. São viagens curtas, rotineiras e cansativas... viagens da necessidade e da labuta.

Calor, umidade, insegurança... andar de trem é assim? Ambulantes sobem e descem dos vagões empurrando sua valiosas mercadorias por cima de alguém... Opa, não empurra... um apito soa: o que foi isso? O quê? Assalto? O roubaram o quê de quem? E o guarda? Vagabundo, safado.... pega ele... celular? Carteira?
Eu era uma estranha naquele ninho, como um expectador de filme de terror: respiração presa, olho arregalado aguardando a próxima cena! Já passava das 9h40 e não parava de chegar gente. Eu pensei e sacar a minha câmera digital comprada em 10x sem juros no site do Extra, mas tive medo! Eu que me achava tão destemida, olhava com desconfiança para aqueles transeuntes humildes que passando de um lado para o outro!
Entrei no trem e não fui até Maranguape. De short e camiseta suava por todos os poros e cheguei até Maracanaú pensando: “ô povo prá sofrer”... no caminho mais emoção. Sentei lado a lado com um senhor que usava uma bengala. Seu antônio ele se apresentou: - hummm... tá parecendo a minha neta quando vem pro centro comigo, toda dura!!! Eu sou o Antônio sapateiro e todo dia venho passear no centro, acho bom ver gente...!
Não consegui manter a dureza, sorri e conversando, descobri a história do seu Antônio. Setenta e nove anos de pura simpatia e simplicidade. Sempre foi sapateiro no bairro, corre de porta em porta e já é conhecido de todo mundo no Álvaro Weyne. Casado com dona Ana desde de muito tempo e pai de 5 filhos (“tudo criado com a graça de Deus”!) é muito feliz com a vidinha que leva e detesta barulho de celular: - Num sei pra quê esse povo anda com esse bicho no ouvido, se no trem num dá prá ouvir nadinha.... ô povo besta! Todo dia os malandros levam dois três... com a conversa correndo solta a viagem foi rápida e o mal estar no estômago foi esquecido.
Afastei o olhar do meu novo amigo e me deparei com dois olhinhos miúdos me encarando da cadeira à frente. Arranjei um, fã! Será? Uns 04 ou 05 anos, acho... vou iniciar o diálogo: - Oi! Como é teu nome? Silêncio. Insisti: - E aí? É mudo é bonitinho? O bonitinho (mesmo!) sorriu e respondeu: - Sou nada... eu sento aí todo o dia com o seu Antônio e hoje nem falei com ele.... Ah. Entendi. Eu tomei o lugar do bonitinho. Continuei: - Tomei teu canto.... só hoje, viu? Como é teu nome? Ele todo contente: - A minha mãe tá lá na frente e a gente vende as coisa lá na praça.... a gente mora no Mondubim na casa da vó... eu, a Bia, a Rosa, a Lia e a mãe. Bom, descobri mais coisas...
O nome dele era Pedro, tinha oito anos e morava com a mãe e os três irmãos na casa da vó. Os olhos verdes herdou do pai (“a mãe que disse, porque ele morreu e eu nunca vi ele”...) e era o retrato da esperteza e trabalho infantil do nosso país! Me emocionei. Ele parecia feliz e afirmava: - Eu ajudo a mãe, sou o único homi de casa... hoje ela vai comprar um sorvete prá mim, é meu aniversário. Me senti insignificante. Em casa meu filho não precisa fazer nenhum esforço para se alimentar, vestir, calçar, brincar de videogame ou pesquisar na internet. As vezes, ele nem parece tão feliz com isso! É só rotina de uma criança que tem tudo o que precisa e muito mais... a conversa continua e ao descer do trem falo baixinho na estação: - Pedro... vem cá quero te dar os parabéns pelo aniversário. A mãe, à distância me olha desconfiada. Embarguei a voz: - Leva isso aqui e não mostra a ninguém, compra um presente de aniversário. Ele riu alto: - A mãe num toma não. Vou comprar bolo, balão e coca-cola prá fazer uma festa em casa... minhas irmãs ainda são criança, vão gostar é muito! Minha consciência se aquietou. Aqueles vinte reais serviriam para uma boa causa.
Saí da estação como uma sobrevivente. Eu não era nada. Eu preciso me engajar num trabalho social, de verdade... daqueles que mudam a cultura de aprendizagem de um país.... quem sabe agora, no segundo semestre do ano quando acabar meu curso na faculdade?! Criança será o meu foco. Se eu me esquecer desse propósito no dia a dia, volto prá “andar de trem” e ai renovo o compromisso!
Vou levar meus filhos da próxima vez, acho que assim como eu, eles vão aprender muito sobre nosso povo, nossa cidade e nossos políticos...! E conhecer os antônios, os Pedros e os olhos vazios que cruzam um olhar conformista ou ansioso sob nossas cabeças.

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